quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Ladrão da Liberdade


Por Paty Souza

Ivan acordara sentindo-se rejuvenescido, há muito que não se sentia daquela maneira. Ele, que de tanto pensar em si e apenas em si, havia esquecido de viver. Tirava o atraso da sua vida, como num período de férias depois de cinco anos ininterruptos de trabalho. Estava apaixonado por sua namorada, havia largado um emprego que andava lhe causando úlcera. Agora beijava a mãe longamente, vivia com poucos recursos e muita riqueza no olhar.

Foi ao sair do quarto que olhou para seu cofre. Tinha uma aparência triste aquele cofre prateado, refletia seu velho consumismo, suas velhas drogas, sua não mais presente vida regada a aparências. Resolveu, num ato simbólico e extremamente vivo, destruir aquela memória que lhe feria a alma. Abriu o cofre com destreza, eram seis números e duas letras o seu código.

Olhou numa mistura de pavor e rejeição para aquelas notas amontoadas, olhou como para um resto de comida que devia ser jogado fora, antes que apodrecesse e trouxesse consigo baratas e ratos. Espantava com louvor as baratas e ratos que haviam, por muito tempo, invadido sua vida. Estava limpo, puro, e de repente prestes a encarar um ato heróico.Encheu uma sacola escura com o que devia somar três mil reais, limpou o cofre, e seguiu a passos firmes para o carro. Enfiou a quantia no porta-luvas, sorridente. Ligou o carro, saiu.

O dia estava de um azul limpo, sem nuvens e as ruas ainda estavam vazias. Pegou uma das avenidas principais da cidade, olhando com atenção para os semáforos, pontes e pontilhões. Procurava sua libertação, a pessoa que iria lhe arrancar de vez aquele peso da vida miserável que havia lhe corroído por tanto tempo. Achou. Achou com seus olhos rápidos um homem com uma manta sobre os ombros, e que ainda assim parecia passar frio. Este andava, no que ele achou um belo presente do destino, em direção ao seu carro.

Virou-se para a direita, apalpando no porta-luvas a sacola, seria ele o escolhido, pensava na alegria que ia dar ao homem e a si mesmo. Num gesto rápido virou com o volume em mãos, e então o sorriso se dissolveu de seu rosto. Havia um cano curto e fino em frente , e uma boca semi-banguela que dizia:
- Me passa seu dinheiro agora!
- Mas é exatamente isso que ia fazer, amigo. Vire essa arma para lá, tenho três mil reais e eu já ia te dar.
- Está de brincadeira né, filho da puta? Passa a grana ou eu atiro!
- Mas essa é a grana, vou tirar da sacola para você ver – disse, e dirigiu a mão trêmula para o saco.
- Acha que me engana? Nem fodendo que você me daria algo, eu é que vim te roubar.
Não houveram dez segundos entre o xingamento de um e o pedido que clamava por calma, do outro.

Aqui, nesse texto, jaz Ivan Cardoso da Silva – brasileiro, músico, ex-advogado, deixou um filho, pai, mãe, e uma namorada feliz – morto em tentativa de desapego. Crime: se atrever a desonrar o papel de um ladrão.

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